Eu sei que esse blog anda um pouco silencioso. A verdade é que eu ainda não consegui encotnrar um público em português que seja comparável ao do
meu blog em inglês, e também não tenho feito vídeos para o
Canal GONG, que trazia alguma tráfego para cá (mas o canal ainda está lá com vídeos legais do meu amigo Marcus todos os dias!).
De qualquer forma, eu senti necessidade de começar um novo blog, tratando especificamente de livros e literatura. Ele se chama "
Jornadas ao Desconhecido". Quando tiver alguma coisa que seja bastante relevante para RPG, eu vou postar aqui também. E se você quiser me ouvir falar sobre fantasia, ficção científica, Dostoiévski, Borges, e assim por diante, dê uma olhada por lá!
Essa resenha recente, que reproduzo abaixo, tem tudo a ver com RPG!
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"Por que eu continuo fazendo isso?", se pergunta o inquisidor Glotka, logo no início do livro. É uma questão que assombra o livro inteiro: os personagens não tem motivações claras, e muitas vezes é difícil entender o que eles estão buscando. Além do inquisidor*, temos um guerreiro nórdico que parece estar satisfeito em apenas sobreviver, e um soldado do reino central pouco motivado para vencer um campeonato de esgrima, mas que, eventualmente, pode ser convencido por um pouco de psicologia reversa. E por fim, o mago de milhares de anos de idade e tem os seus próprios motivos misteriosos. Bem mais tarde, nós vamos conhecer Ferro, uma brava guerreira sulista que age como um animal selvagem o tempo todo e tem várias habilidades interessantes. Por exemplo, ela é daltônica e mesmo assim consegue ser irritantemente racista.
(* Aqui, a Inquisição é uma polícia ao estilo soviético. Ao contrário da inquisição medieval, não há advogados, processo, acusação, etc., e o número de vítimas fatais parece ser mais significativo.)
Há algo de artificial em todos os personagens. Eles cumprem seus papéis na trama, sem parecer com pessoas reais. Ao ao invés de invocar arquétipos, ele se parecem mais com caricaturas: o nobre pomposo, o guerreiro nórdico, o mago sábio e poderoso, o aleijado muito esperto de moral duvidosa, a sulista selvagem. Suas características são exageradas: o nobre é extremamente arrogante, a sulista demasiadamente agressiva, o nórdico completamente estoico - e ainda se mostra um berserker num momento de batalha.
A exceção talvez seja o major West, um personagem menor que tem uma irmã com um papel importante na trama e até alguma nuance. Os demais personagens quase não tem relações significativas com suas famílias e amigos - quanto tem famílias e amigos. Os vilões não são muito melhores: temos padres manipuladores, mercadores gananciosos, e criaturas muito parecidas com orcs. Um adversário extremamente poderoso esfaqueia o próprio braço para mostrar como é forte.
O cenário, nesse primeiro livro, também tem pouco a oferecer: gelo e guerreiros ao norte, areia e guerreiros ao sul, impérios antigos, magos, "orcs", e assim por diante. Os "comedores" são um pouco mais interessantes, mas até agora parecem simplesmente criaturas malignas sem propósito - "ghouls" com um nome mais tedioso.
A história também não traz grandes surpresas. Esse é o primeiro livro de uma trilogia, e vai ficando cada vez mais evidente que ele está preparando, e não contando, uma saga. Pouco acontece nesse primeiro livro, provavelmente para justificar os acontecimentos grandiosos do futuro. Se você me dissesse que os próximos livros são mais interessantes, eu provavelmente acreditaria. Eu li brevemente alguns resumos e a história parece melhorar conforme o tempo. Infelizmente, é improvável que eu procure esses livros - talvez alguma outra obra do autor.
Eu me interessei por esse livro pois achei tê-lo visto citado como um exemplo de "dark fantasy". Certamente houve um engano. O primeiro livro não é o grande exemplar do gênero de fantasia, mas também não é exatamente "dark". Não há um senso de tragédia, ou decadência dos personagens principais. Ao contrário, os personagens passam por uma leve ascensão: o arrogante se torna menos arrogante, o guerreiro derrotado e desarmado ganha força e uma espada mágica, o torturador chega a valorizar contato humano. Há humor negro, mas o tom é mais épico do que "dark". O que livro tem é uma coleção de coisas que se convencionou chamar "temas adultos": palavrões, tortura, membros decepados, um certo pessimismo em relação às instituições e comparações frequentes das coisas com "merda". O conteúdo sexual, por outro lado, é bem limitado. Novamente, os livros posteriores parecem acrescentar reviravoltas, dilemas morais e tons de cinza.
Há também pontos positivos. O livro certamente é uma leitura dinâmica, e em muitos momentos eu fiquei ansioso para saber o que aconteceria em seguida (infelizmente, pouco acontece nesse livro) e não conseguia parar ler. Os personagens, ainda que estereotipados, tem defeitos e nuances interessantes. E a sociedade apresenta alguma complexidade com suas guildas, ordens, e bancos.
O livro traz vários pontos de vista. Os pensamentos dos personagens são descritos com certa frequência. As paisagens também recebem descrições minuciosas. Cenas de combate e ação são frequentes, mas não especialmente interessantes, nem realistas. Isso te atrai, talvez você aprecie o livro.
A história da trilogia como um todo parece atraente suficiente para que eu cogite ler outros livros do autor ou ao menos uma adaptação em quadrinhos. O livro tem uma pegada cinematográfica, que me faz pensar que uma adaptação para TV também poderia ser interessante.
Talvez eu esteja exigindo demais do primeiro livro do autor - ou julgando como um livro autosuficente algo que é uma simples introdução para uma história maior. Ainda assim, mesmo numa trilogia um livro deve bastar por si só.
Ou talvez eu esteja comparando o livro com clássicos como Tolkien, Moorcock, Anderson, ou até George R.R. Martin, que o recomenda. O Poder da Espada não está nesse nível, mas é melhor que o último livro que li de Eddings, talvez à altura de um Glenn Cook ou Nicholas Eames, um pouco menos divertido do que os primerios livro do Witcher. Não é grande coisa, mas é promissor.