A ação de jogar RPG consiste em, de forma geral, tomar decisões relevantes por meio do seu personagem (se você é iniciante, veja meu tutorial).
Essa definição é importante, como você vai ver em seguida.
As aventuras de RPG podem ter diversos tipos de estrutura, sendo que duas são mencionados com mais frequência: o railroad e o sandbox.
(Até o final desse artigo, eu vou defender que que essas palavras descrevem MOMENTOS na aventura, e não aventuras. Mas vamos com calma.)
Railroad significa ferrovia. Aventura do estilo railroad é aquela em que os personagens nunca saem dos trilhos pré-definidos na aventura. Ou seja, o enredo vai de A, para B, para C, para D, independentemente do que os personagens façam.
Por aí você já poderia dizer que "railroad não é RPG". Afinal, os jogadores não fazem escolhas relevantes. Pode ser um teatro, pode ser até um modo de ENSINAR RPG, mas rigorosamente não é RPG.
Sandbox seria o equivalente a um tanque de areia (como aqueles em que as crianças brincavam antigamente). Dentro desse "tanque", os personagens podem fazer o que quiserem, na ordem que quiserem. As ações dos PCs terão consequências próprias, e essas consequências vão formando a aventura. Também é chamado de "mundo aberto".
Isso é muito frequente em jogos de RPG eletrônico atuais como Skyrim, The Witcher, etc. (compare com o primeiro Mario Bros., em que a opção era avançar ou morrer - e a diversão não era fazer boas escolhas, mas sim jogar com agilidade e precisão).
Muitas vezes, os dois termos são considerados antônimos, mas concordo com o Alexandrian quando ele disse que não é exatamente isso. De qualquer forma, não vou entrar muito nessa discussão aqui. Vou focar no railroad como um problema a ser estudado (e talvez resolvido), e outro dia falamos mais de sandbox.
Essas duas estruturas lembram estruturas físicas, mas na verdade são ideias abstratas. Uma dungeon com quatro aposentos dispostos numa linha reta lembra muito a estrutura de railroad, enquanto um mapa parece indicar um sandbox.
Mas isso nem sempre é verdade.
O railroad é definido pela falta de escolhas relevantes por parte dos jogadores.
Digamos, por exemplo, que aventura diz que ele tem que enfrentar um dragão que queimou a vila E. Eles podem ir para as vilas D, F ou G, mas em nenhuma delas há armas ou pistas úteis contra o dragão, e e o dragão ataca os PCs depois de cinco dias não importa que eles façam.
Por exemplo: os PCs chegam numa sala com 4 portas, A, B, C e D. Em uma delas, está o vilão. Nas outras três, há alguns tesouros. Mas não importa que porta os jogadores escolherem, o vilão vai estar sempre na primeira porta que eles abrirem (para garantir que so jogadores não fujam com o tesouro sem enfrentar o vilão).
Mais um exemplo: os jogadores tem que enfrentar três ogros, um vermelho, um azul, e um verde. Cada um está num local diferente e os jogadores podem escolher a ordem, mais uma batalha não gera qualquer efeito nas outras (ou seja, a ordem é irrelevante).
Então o railroad pode acontecer, basicamente, em dois casos:
1) Porque não existe escolha (por exemplo, só há uma porta) ou;
2) Porque a escolha não importa (há várias portas para escolher, mas o resultado é o mesmo).
Veja que determinar o resultado da escolha dos jogadores apenas rolando um dado não necessariamente resolve esse problema. Por exemplo, se você vai rolar 1d6 para saber se o vilão está atrás da porta, a escolha dos jogadores também não importou (a não ser, por exemplo, que eles saibam que existe esse risco, e possam limitar o número de porta que eles abrem, etc.).
Mas se você jogou o dado ANTES deles abrirem a porta? Embora pareça diferente, para os jogadores do resultado muitas vezes é o mesmo que se você jogar depois. E mesmo se você escolheu um quarto qualquer para colocar o vilão ao desenhar a dungeon... às vezes dá na mesma. Como explicar isso?
É que nesse caso os jogadores NÃO TEM QUALQUER INFORMAÇÃO que os permitem tomar uma decisão. As decisões deles acabam sendo aleatórias. Mas há uma diferença muito significativa aí: se o vilão já está definido ANTES deles abrirem a porta, os jogadores podem BUSCAR essa informação. Eles podem, por exemplo, colocar o ouvido na porta e tentar escutar, ou bater na porta e se esconder. Essas são ESCOLHAS RELEVANTES.
Mas e se o vilão estiver em silêncio, esperando os PCs, e não houver NENHUMA maneira como obter essa informação? Voltamos a situação inicial...
Mas ora... então TUDO é Railroad? Basta os PCs terem uma surpresa inesperada e estragou a aventura?
É isso que eu quero demonstrar: railroad é um MOMENTO que acontece em todas as aventuras: aquela situação em que as escolhas dos jogadores não existem, não importam, ou são feitas de maneira aleatória.
Em algumas aventuras, temos railroad O TEMPO TODO, e por isso elas são criticadas. Em outras, temos apenas alguns pontos e acontecimentos assim, mas boa parte é determinada pelas ações dos PCs.
As aventuras que dão um pouco espaço para escolhas relevantes merecem ser criticadas por serem muito "railroad".
Mas muito pior que isso são as aventuras que tentam FORÇAR o railroad, inventando maneiras bizarras de tornar os atos dos PCS irrelevantes. Por exemplo, dizendo que o vilão não pode ser enfrentado antes da última parte da aventura pra não estragar o final. Ou dizendo que se os PCs não aceitarem a missão do rei, ele vai mandar a guardas real encherem eles de porrada (Aí, seu rei BABACA, manda sua guarda real matar o ogro então!").
É comum que mestres iniciantes não lembrem de dar muitas opções aos jogadores. Não tem problema. Conforme jogadores e mestres aprendem, eles vão percebendo que o RPG é um jogo de infinitas possibilidades. O que deve ser evitado mesmo é esse segundo caso: ficar forçando o railroad quando os jogadores já inventaram outras opções interessantes.
Voltando ao Alexandrian, ele define railroad como aquilo que acontece quando "o mestre nega a escolha de um jogador para impor um resultado pré-concebido". Essa definição é muito útil; é o que eu chamo de railroad "forçado".
Felizmente, isso é bem mais raro hoje em dia... Mas ainda acontece, mesmo em aventuras de D&D, como veremos em seguida.